O Minhocão é uma narrativa de origem folclórica, transmitida oralmente entre gerações ribeirinhas. Cada contador de histórias dá à criatura um retrato próprio, moldado por suas vivências e pelo imaginário local. Essa riqueza de versões mantém a lenda sempre viva e em constante transformação.
Diziam os ribeirinhos que todo dia de pesca começava com fé. Antes de partir, o homem do rio colocava seu chapéu de palha já marcado pelo sol, fazia sua oração à Virgem Maria e, com devoção, recitava o Pai-Nosso. Recebia a bênção das crianças, trocava um beijo rápido com a esposa e então descia até a beira do Paraguai, onde sua canoa o esperava.
Era o ritual de quem dependia daquelas águas para sobreviver. O sustento vinha dos peixes que o rio generosamente oferecia, mas também da esperteza de quem conhecia os segredos da correnteza. Ao chegar em certos pontos, o pescador desligava o motor de popa, fazia o sinal da cruz e deixava-se levar em silêncio. Sabia que, ali, não era apenas ele e o rio: era também o território do Minhocão, a lenda viva do Pantanalzão.
O mistério nas águas profundas
O Minhocão não era visto com frequência. Alguns diziam que sua presença se revelava apenas em noites de tempestade, quando o céu carregado refletia no espelho da água. Outros juravam ter visto redemoinhos repentinos, formados sem vento, como se uma força colossal agitasse o fundo do rio.
A lenda conta que o ser, serpentino e descomunal, atravessava as correntezas moldando-as com o próprio corpo. Sua passagem não deixava rastro visível além da perturbação súbita das águas. Era um aviso silencioso: respeito ao rio, porque ali habitava mais do que se podia imaginar.
Entre fé e medo
Para o ribeirinho, a vida era sempre uma mistura de coragem e reverência. Havia quem acreditasse que o Minhocão castigava os descrentes, engolindo barcos inteiros sem deixar vestígios. Outros viam nele um guardião, que protegia o equilíbrio das águas contra os excessos humanos.
Histórias se espalhavam nas comunidades: o pescador que nunca voltou após mergulhar para salvar uma bola da filha, o barco que sumiu em pleno dia claro, tragado por um redemoinho inexplicável. Sempre restava a mesma explicação: "Foi o Minhocão."
Patrimônio da cultura pantaneira
Mais do que medo, o mito do Minhocão reforça a ligação profunda entre o povo e o rio. É a lembrança de que o Pantanal tem vida própria, com seus mistérios, sua força e sua sabedoria ancestral.
Assim, geração após geração, os ribeirinhos continuam a contar histórias à sombra das mangueiras, ao cair da tarde, ou entre um lance de rede e outro. O Minhocão permanece vivo não apenas nas águas do Paraguai, mas também na memória coletiva, como parte essencial da cultura pantaneira.
Porque, no fim, toda vez que o motor silencia e o barco desliza ao sabor da correnteza, a pergunta ainda ecoa no coração de quem navega:
Será que o Minhocão está lá embaixo, observando?
Fonte: Livros: Sopa Paraguaia e Pérola do Pantanal
Autor: Assessoria de comunicação - Hitalo S.